A Nina outro dia me perguntou se não era emocionante ver as palavras que a gente escreve ganharem vida quando os atores as interpretam. É, sim. E mais ainda quando eu vejo essa vida através da câmera e as coisas funcionam, e algo surge que é ao mesmo tempo bem o que eu imaginava e o inesperado. Respondi pra Nina que era inesquecível para mim o primeiro momento em que isso aconteceu, quando eu fiz meu primeiro curta, Vaidade (1989, co-dirigido por Vicente Amorim). Era o primeiro plano do primeiro filme. A atriz era a Júlia Lemmertz. A locação, por coincidência, era o estúdio de fotografia que o Cícero tinha em Santa Teresa. E foi bacana.
Momentos ainda mais fortes que aquele de tantos anos atrás têm acontecido diariamente agora, durante as filmagens do Um Romance de Geração. Domingo, por exemplo, aconteceu um desses. Quem contracenava com Isaac era Susana Ribeiro. A cena era a 23, uma das últimas a serem escritas, e das poucas que não chegaram a ser ensaiadas antes das filmagens. Foi preciso encontrar o tom, as marcas e os gestos já no set.
A equipe subiu para a pequena área do estúdio onde fazemos nossos lanches (os lanches, aliás, são um assunto à parte, do qual tratarei em breve) e ficamos só eu com os atores e a Inez, a melhor assistente de direção que um diretor pode pedir a Deus quando se trata de ensaiar. E começamos o ensaio. Primeiro só batendo o texto (isto é, os atores dizendo as falas em sequência, checando com o roteiro, um exercício de memorização). Depois, buscando o espaço a ser ocupado. Tenta-se isso, tenta-se aquilo. Finalmente, vamos às ações mesmo, os gestos.
E ver a Susi encontrar os gestos, e não só as palavras, para aquela cena que falava exatamente de gestos e palavras. foi incrível. E mais: ver como o Isaac, que contracenava com ela, reagia e criava a partir desses movimentos e gestos dela. Em vários momentos eu quase me esquecia de que estava ali para dirigir aquilo, e assistia a tudo como se fosse a um espetáculo pronto.
(foto de Carlos Fernando Castro)
Mas eu não estava ali para assistir e sim para dirigir, e logo entendi que o maior desafio seria encontrar as posições de câmera e enquadramentos que mais favorecessem aquilo. Como fazer para que o que era bom e forte ao vivo fosse bom e forte na tela do cinema?
Para conseguir isso, e acho que consegui, contei com meu fotógrafo e câmera, Cícero, em dia especialmente inspirado. Encontramos, espero, os planos, os ângulos, os enquadramentos. Não costumo revisar material filmado na hora. Não há tempo e acho isso meio dispersivo. Mas esses takes eu quis ver junto com a equipe toda. Porque estavam bons mesmo.
Acho que se alguma qualidade esse filme tem é a do processo de trabalho que tivemos juntos, eu e o elenco, desde o início. Momentos assim, e muitos outros (mais tarde falo da cena que fizemos ontem, com Isaac e Nina, também muito legal), só podem acontecer quando você investe tempo, cérebro, esforço. Já vi muito diretor de cinema reclamar de ator, no Brasil. Sempre tive vontade de perguntar a esses colegas se eles tinham feito direto o dever-de-casa.
A gente fez.